J. Hilgert
Sommelière, mestre em filosofia e colunista da Casa Tertúlia
2021-02-02 03:40:37
Tags: história da uva,história do rio grande do sul,história do vinho,imigrantes,imigrantes alemães,imigrantes europeus,imigrantes italianos,isabel,isabel-2018,suco de uva,suco-de-uva-bordo-integral,suco-de-uva-branco-integral,uva isabel,uvas americanas,vinho colonial,vinho de garrafão,vinho de mesa,vinho isabel,vitis labrusca,
Isabel, vitis labrusca: um vinho na memória gustativa de muitos
“Quando bebo esse vinho, lembro do meu avô, dos almoços em família, abastecidos pelo vinho que ele fazia e guardava no porão da sua casa.” Esse relato, não incomum quando convidamos amigos para degustar nosso vinho proibido, costuma ser manifesto por muitos que viveram uma história hoje menos usual, mas ainda presente nas memórias de muitos. Por ser uma uva de cultivo mais dócil e de fácil adaptação, sua presença estendeu-se por nossos solos, especialmente no sul do país, onde muitos imigrantes europeus utilizaram a variedade para fazer vinhos, buscando reproduzir os que conheceram em suas terras originárias.
Não se encontravam videiras à época no Brasil. Na tentativa de cultivá-las, eram trazidas frações de seus galhos, que, ao serem afundadas na terra, desenvolvem as plantas perfeitamente. Mas o cultivo de uvas finas, além de ser ameaçado pela filoxera (inseto que dizimou vinhedos pelo mundo no século XVIII), não obteve êxito, até se passar a utilizar mudas enxertadas, o que ocorreu apenas na década de 1920 no Brasil. Dificuldades no manejo e tentativas fracassadas ocasionaram a substituição das mudas de cultivares europeias (vitis vinífera) pelas americanas (vitis labrusca), que além de tudo são mais resistentes à filoxera. De espécies diferentes e características bastante variadas, unificam-se quanto ao resultado tão desejado: o sumo fermentado das uvas que reaparecia então sobre as mesas.
Foi essa transformação que ainda hoje faz com que muitas pessoas tragam o hábito de elaborar vinhos com uvas de mesa, como é o caso da uva Isabel, e muito comumente inclusive desconheçam as viníferas europeias. Assim, guarda-se na memória o vinho conhecido através de familiares ou amigos e que era produzido dessa forma. Muitos ainda seguem o cultivo ou o consumo de vinhos de mesa, preferindo-os sobre os vinhos finos (assim chamados pela legislação brasileira, sendo uma das poucas categorias distinguidas, se compararmos, por exemplo, às inúmeras diferenciações encontradas nas leis da França). Mesmo que nos dias atuais vinhos de todas as castas e partes do mundo estejam acessíveis, as recordações mantêm com carinho os sabores e aromas que se sentiam naquelas taças.
Em 1913, a plantação de uvas Isabel no Rio Grande do Sul equivalia a 96% de todas as videiras encontradas. Hoje em dia, seu percentual é de 32%, o que marca uma variação no consumo e produção de vinho. Com o passar do tempo, foram surgindo no país vinhedos de uvas europeias, como a Cabernet Sauvignon e a Merlot. Passou-se a descobrir como cultivá-las e a apreciar os vinhos finos, que efetivamente se destacam em algumas características perante os vinhos de uvas americanas. Por exemplo, não é comum um vinho de mesa manter-se em seu melhor estado senão em seus anos mais jovens, embora haja raríssimas exceções. Ademais, esses vinhos costumam conservar suas características durante seu breve período de maturação, ou seja, um vinho Isabel terá em 3 anos os mesmos sabores e aromas que possuía quando de sua elaboração, sem mudanças expressivas. Nos vinhos finos, sobretudo os mais encorpados, ocorre o fenômeno inverso, que muito nos encanta, em que há alteração das notas sensoriais com o decorrer do tempo. O Cabernet Sauvignon da Casa Tertúlia de 2018 possuía coloração rubi e forte aroma de frutas vermelhas silvestres nesse ano. Hoje, encontram-se agregadas notas de caramelo, chocolate e especiarias, que se desenvolveram com o tempo, assim como uma coloração granada muito diversa.
Já o vinho Isabel da Casa Tertúlia pode ser considerado um vinho “atemporal”, pois os sabores frutados que apresentava em sua elaboração ainda nos surpreendem ao se mostrarem nas taças que dele servimos. Este vinho, porém, tem uma peculiaridade. A enóloga utilizou uma técnica de contato com viníferas finas, o que lhe tornou mais tânico, deu-lhe corpo, intensidade de cor e estrutura, e aproximou-o de características de vinhos feitos com uvas europeias, não deixando as marcas da uva Isabel ocultadas, mas lhe dando maior complexidade. Assim, mesmo sendo um vinho indubitavelmente resultante de uma varietal labrusca e todas as memórias que elas nos trazem, serviu como experimento de sucesso para apresentar o amálgama das duas espécies de uva.
Encravado na memória afetiva e gustativa de muitos, o vinho Isabel deve ser honrado e reconhecido enquanto tal, pois além de carregar lembranças e uma boa parte da história de nossos antepassados, é apreciado por suas propriedades únicas e características. Mais terroso, frutado e indicado para ser bebido jovem, sua coloração de vermelho rosado atinge muitos apreciadores, livres das regras dos vinhos finos, que dirigem a ele seus mais agraciados votos de admiração e desfrute, tornando-o um vinho diferente, inusual aos que ainda não o conhecem, e uma torrente de lembranças aos que o levam em sua história.
Por se tratar de um vinho presente na memória de tantos que, através dele, reencontram-se com seus pais, mães e avós, optamos por elaborar, aqui na Casa Tertúlia, um vinho ícone de nossa história, que ao ser degustado nos leva a recordar de conversas, pessoas e momentos que marcaram nossas vidas. Queremos que depois de nós também outros o conheçam, pois nele há mais do que uma casta “não fina”, e sim um elogio aos tempos difíceis, às superações e ao amor que os seres humanos têm por boas conversas, regadas a bons vinhos. Este que, aliás, é o mote da Casa Tertúlia. Um viva também aos vinhos de mesa de boa qualidade!
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Fontes:
https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/especiais/vinhos_e_espumantes_2019/2019/05/682534-isabel-a-historia-do-vinho-gaucho.html
https://vinhonosso.com/tag/vitis-labrusca/
https://crownwines.com.br/as-uvas-vitis-vinifera-e-vitis-labrusca/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Reuni%C3%A3o-de-fam%C3%ADlia—1928.jpg
https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/economia/2019/06/691115-simbolo-do-interior-gaucho-vinho-colonial-comeca-a-deixar-os-poroes.html
https://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/uva_para_processamento/arvore/CONT000g5f8cou802wx5ok0bb4szwyx060i6.html
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-20612000000100022
https://amanha.com.br/categoria/brasil/a-epopeia-da-isabel-uva-que-transformou-o-agricultor-em-viticultor
https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/Boa-de-Copo/noticia/2020/08/conheca-o-vinho-natural-feito-com-renegada-uva-isabel-mesma-do-vinho-de-garrafao.html
http://vinho.ig.com.br/2020/06/04/a-filoxera-foi-o-coronavirus-do-vinho.html
Agradeço também a Viviane e Leodir Hilgert pelo entusiasmo e os ensinamentos passados com seus relatos.
J. Hilgert
Sommelière, mestre em filosofia e colunista da Casa Tertúlia
2021-01-12 16:18:09
Tags: cabernet-sauvignon-2018,isabel-2018,vinho-fino-seco-merlot-2018,
Coq-au-vin: conhece esse clássico francês?
Transformar um simples frango em um banquete não é tão complicado, se contarmos com uma ajudinha dos franceses. Essa receita é um clássico da culinária e tem um ingrediente especial: o vinho. Coq em francês significa “galo”, enquanto au vin quer dizer “ao vinho”. Já deu para imaginar o que está por vir? A não esquecer dos cogumelos Paris frescos, legumes variados e do famoso bouquet garni…
Vamos à preparação. Ela requer um pouco de tempo e dedicação, mas o resultado final faz valer muito a pena.
- Marinada de frango em nosso Cabernet Sauvignon, Merlot ou até mesmo o vinho Isabel: cubra os pedaços de frango com o vinho, adicione 4 cenouras e 1 cebola picadas, 3 dentes de alho, 1 colher de sopa de pimenta inteira, 5 cravos da Índia, 1 folha de louro e um Bouquet Garni (explicamos abaixo). Deixe repousar de um dia para o outro. Dica: coloque as pimentas e os cravos dentro de um difusor de chá ou saquinho culinário para facilitar a retirada depois.
- Bouquet Garni: trata-se de uma trouxinha de temperos amarrados por um fio que permite passar o sabor ao prato sem se perder lá dentro. No nosso foi: folhas de alho-poró, tomilho e salsinha.
Após o frango e os legumes terem marinado, retire os cortes e seque-os levemente colocando em uma travessa. Salgue e adicione pimenta dos dois lados e deixe aguardar por 5-10 min. Aqueça uma panela de ferro com um pouco de óleo vegetal para elevar a temperatura, e antes de pôr o frango adicione manteiga. Doure o frango e retire.
Na panela, adicione o bacon picado em tiras e deixe dourar. Acrescente os legumes da marinada, coando a cenoura e a cebola e reservando o vinho. Acrescente manteiga conforme necessário para dourar. Coloque 2 ou 3 colheres de farinha e misture. Em seguida acrescente o vinho da marinada.
Deixe cozinhar por 30-60 minutos, dependendo dos cortes escolhidos e do tipo de frango, mexendo de tempos em tempos para não grudar.
- Base de cogumelos: 15 minutos antes de finalizar, coloque manteiga generosamente em uma frigideira, adicionando cebolas (idealmente mini-cebolas, mas também pode ser a normal picada), aguarde um pouco e acrescente os cogumelos picados. Quando tudo tiver dourado, adicione a mistura à panela de Coq au vin.
Agora é só aguardar e servir com purê de batatas, polenta ou mesmo uma baguete ao estilo francês.
E, claro, harmonize com o vinho!
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